A saga da obra de arte de Takehiko Inoue.
Situado na era Sengoku, somos apresentados a Shinmei Takezo, um garoto temido e evitado pelos moradores de seu vilarejo. Cansado dos olhares de reprovação, decide dar um rumo à sua vida e resolve fugir de lá com seu amigo, Matahachi Hon’iden. Ambos juntam-se ao exército Toyotomi para lutarem contra o exército de Tokugawa, na Batalha de Sekigahara. No entanto, o exército de Tokugawa tem uma vitória esmagadora sobre seu adversário e os dois garotos, à beira da morte, tentam sobreviver a qualquer custo. Após esses eventos, os amigos se separam, cada um seguindo seu próprio caminho. Takezo acaba tornando-se um criminoso procurado e devido a isso, acaba mudando seu nome para Miyamoto Musashi.
Escrito e ilustrado por Takehiko Inoue – criador também de outro enorme sucesso: Slam Dunk –, Vagabond fez sua estreia em 1998, na revista Morning, da Kodansha. Mesmo após uma recente sucessão de hiato (o maior em 2012, que durou 18 meses), devido à saúde de Takehiko e a trabalhos pararelos nos quais participou, o mangá continua em andamento, com pouco mais de 320 capítulos e 37 volumes encadernados.
Vagabond rendeu ao autor vários prêmios importantes, como o Tezuka Osamu Bunkasho (Tezuka Osamu Cultural Prize), o Japan Media Arts Festival e o Kodansha Manga Sho (Kodansha Manga Award); além de uma chuva de críticas positivas e números: mais de 80 milhões de cópias vendidas mundialmente.
O mangá é inspirado na novel Musashi, escrita por Eiji Yoshikawa em 1935, e conta a história fictícia do ronin Miyamoto Musashi, um personagem real que viveu durante o período feudal do Japão.
O que aconteceu com Vagabond?
Quando Vagabond chegou ao Brasil fomos surpreendidos. Em 2001, a série começou a ser lançada em bancas pela Conrad e a recepção foi muito calorosa. Era um mangá de samurai que até então era desconhecido da maior parte dos leitores, mas que vinha com o requinte da arte fantástica de Takehiko Inoue. Fãs de quadrinhos em geral abraçaram a ideia e não era difícil ver a obra como parte da coleção dessas pessoas.
O que poderia dar de errado? Como Vagabond, um mangá tão sensacional e que facilmente se tornaria um hit, conseguiu fadar ao fracasso?
A Edição Definitiva matou Vagabond na Conrad…
A editora publicava Vagabond normalmente em uma edição meio tanko, que mesmo para a época tinha uma qualidade ótima (um meio tanko daquilo tinha páginas coloridas e ainda vinha em uma qualidade superior ao Gangsta da JBC, fácil!). Aos 44 volumes (22 do original) e quando o mangá se encaminhava para encostar no Japão em um futuro relativamente próximo, alguém teve uma ideia brilhantemente (desculpe o palavreado com antecedência) bosta. “Vamos começar uma coleção de luxo mesmo com uma outra em andamento?”
Se fosse apenas isso, ótimo. Mas o inteligente resolveu algum tempo depois que iria cancelar a coleção de meio tanko, que tava de boa, sem mexer com ninguém, e deixar os fãs daquele formato sem rumo. E ainda tiveram a cara de pau de falar “Olha só, é só comprar de onde parou na edição definitiva!”.
Tudo bem. A Conrad era incrível. Tinha mangás fantásticos e sem ela eu talvez não fosse o fã que sou hoje, não trabalharia onde trabalho hoje e não teria o ChuNan. Mas quando era pra fazer cagada, ela era mestra também. E aqui vamos colocar um parêntese nessa, porque sabemos que a dificuldade de uma negociação naquela época de material era outra, os japas eram doidos com arquivos e o mercado engatinhava. Ok. Ótimo. Mas essa decisão foi ingrata e infantil. A edição brasileira era impecável, como só a Conrad fazia, mas se na época um mangá custando R$9,90 já era considerado caro, o que dizer de um custando R$30? E ainda matando mais da metade do seu público? Não foi Vagabond que afundou a Conrad, óbvio, mas o a Conrad que afundou Vagabond. Em 2007 o cancelamento foi confirmado pela própria editora. E essa a gente não esquece.
…e a Nova Sampa caiu na mesma carta armadilha.
Em 2014 a Nova Sampa anunciou que retomaria a publicação de Vagabond. Uma vitória incrível, visto que uma editora “nova” naquela situação conseguiu o que todos imaginavam o que Panini ou JBC fariam. Mas eis que aqui abrimos um parêntese.
Já ouviram falar de Hitler, certo? O cara era um escroto, óbvio. Mas era um gênio ao mesmo tempo, e não foi a toa que salvou a Alemanha em seu início de gestão, a transformando em uma das potências européias. Mas continuava um babaca escroto (isso não tem nada a ver com o texto, mas acho sempre bom reforçar que era um babaca escroto) e cometeu um erro infantil. Hitler tinha um ídolo, o grande Napoleão Bonaparte (outro gênio e um dos maiores estrategistas de todos os tempos). Napoleão perdeu a guerra para o inverno russo, teve sua ruína e sua estratégia totalmente destruída. E Hitler era tão fã do cara que até a parte que não deveria ele conseguiu copiar. Perdeu a guerra para a Rússia, no inverno. Babaca e burro ainda por cima.
Mas enfim, porque falei tudo isso? Não comparando Conrad e Sampa a essas duas figuras históricas, claro. Mas a Sampa achou que seria legal copiar a Conrad justamente onde foi o seu maior erro. Sete anos depois foi tomada a brilhante ideia de recomeçar Vagabond de onde a Conrad havia parado… no formato de luxo! E veja bem, o luxo aqui foi o menor dos problemas, uma vez que hoje o mercado tenha uma recepção muito melhor pra esse tipo de coisa. Mas o fato que anos depois ela achou que não seria uma boa ideia começar do 0, rebootar e talvez dar continuidade da coleção antiga de outra forma, como a Panini fez com One Piece, por exemplo. Foi o fim. Pagar 40 reais em algo que não se encontrava mais as primeiras edições era desconfiavel. Afastou o público. Tivemos o trágico caso das 300 unidades vendidas no Brasil inteiro. Trágico. Medíocre. Vagabond não merecia isso. Pelo peso da obra, pelo autor. A própria Sampa não merecia isso. Mas aconteceu.
Vagabond morreu de novo. A obra artisticamente falando mais incrível de Takehiko Inoue veio a cair da segunda vez pelo mesmo motivo: a falta de planejamento editorial.
Mas ainda há uma chance de se reerguer.
Vagabond renasce?
A editora Nova Sampa anunciou (de uma forma muito engraçada, por sinal, e que até agora não entendo porque acharam nobre) que não tinha mais os direitos da obra no Brasil. Não é pra menos, claro. Mas o grande “X” da questão é que a mesma foi o amiguinho que estragou a surpresa da criança e anunciou que Vagabond estaria de volta em uma nova casa em breve.
JBC ou Panini? Veremos. Não acredito na NewPOP, já que os japoneses devem ter visto que entregar uma obra assim em uma editora “menor” não é das decisões mais confiáveis. O fato que ainda temos chances de salvar a obra no Brasil e definitivamente não é a edição de luxo de volta (porque todo mundo já tá com o pé atrás nesse formato) e muito menos o formato BIG como vi alguns cogitarem. Os 40 reais cobrados por um formato BIG na JBC não compensam, ainda mais se pensarmos que Vagabond tem muitas páginas coloridas em cada edição, e cada uma delas tem cerca de 230 páginas. Imagina aquele tijolo com 500 páginas quase e custando 45 reais? Não, por favor.
Vagabond ainda pode renascer, desde o primeiro volume, em um formato similar a Berserk, Planetes ou até mesmo Termae Romae, por exemplo. Em tanko, com papel offset de boa gramatura ou pólen, com páginas coloridas, capa fosca. Em um preço razoável e bimestral, talvez. Acredito que o preço de Planetes seria um valor muito justo (sem papel transparente) para uma obra que abrange tantos fãs de diferentes nichos. Tenho fé que o planejamento editorial, de qualquer uma das duas editoras que assuma, será mais bem pensado, mais conceituado ao mercado atual. Apesar da crise, nunca tivemos tantas variedades de títulos em bancas e isso é maravilhoso.
E que ninguém mais caia no maldito inverno russo…